Como é dolorosa, esta teimosia de sofrer passiva
o drama deste mundo que se queima
em cada monte de ervas verdes!
Dóis-me. Tu não sabes como eu sinto - sempre
esta mania de me convencer de que sofro.
É verdade. Queria-te aqui. Despido de memória.
Mergulhaste neste lago e eu lavei-te a boca e os olhos.
Depois vieste dormir com o coração no meu colo de mãe.
Vem outra vez. E outra. Eu dou-te um filho da natureza. Tu.
24.8.05
fúria mansa
Olho-te. Não vejo nada, mas persisto. Falar. Gritar.
Deitada na relva ensopada em chuva e lama.
Misturar-me nela e ir por aí.
Olhos de vidro. Olhos fluidos! O teu corpo...
Não quero que vás.
Eu gostava de ficar assim, a dormir ao teu lado.
Teu lado? Uma pedra que cai do armário, um
tiro disparado da gaveta da cómoda. Deixem-me.
Não suporto mais isto.
Este amor, esta fúria mansa nos dedos que tocaram
os teus pulsos, ainda ontem.
Deitada na relva ensopada em chuva e lama.
Misturar-me nela e ir por aí.
Olhos de vidro. Olhos fluidos! O teu corpo...
Não quero que vás.
Eu gostava de ficar assim, a dormir ao teu lado.
Teu lado? Uma pedra que cai do armário, um
tiro disparado da gaveta da cómoda. Deixem-me.
Não suporto mais isto.
Este amor, esta fúria mansa nos dedos que tocaram
os teus pulsos, ainda ontem.
no quarto da Teresa
Obsessão: as rosas são verdes. Levanta os braços.
Cospe. Musgo negro que pintas o mar. Solavancos
e flores. Morte e café. São horas. A camioneta é
às sete. Podemos entrar? Acendo a luz. Tens um
belo corpo. E visto-me. Querendo agarrar-me aos segundos.
Teu cabelo, teus olhos, tua luva de sal e vodka. Fumo.
Vejo. Mãos mortas, no calor flutuante do quarto da
Teresa. Choras e gemes. Beijo-te. Sorris. Tens medo.
Para quebrar as portas são precisos punhos fortes.
Obsessão: o tempo parou. Falas no sonho.
Queres falar, mas não sabes. Soltas grunhidos
frustrados, lentos demais.
Cospe. Musgo negro que pintas o mar. Solavancos
e flores. Morte e café. São horas. A camioneta é
às sete. Podemos entrar? Acendo a luz. Tens um
belo corpo. E visto-me. Querendo agarrar-me aos segundos.
Teu cabelo, teus olhos, tua luva de sal e vodka. Fumo.
Vejo. Mãos mortas, no calor flutuante do quarto da
Teresa. Choras e gemes. Beijo-te. Sorris. Tens medo.
Para quebrar as portas são precisos punhos fortes.
Obsessão: o tempo parou. Falas no sonho.
Queres falar, mas não sabes. Soltas grunhidos
frustrados, lentos demais.
tens um belo corpo
Que sede é esta que me queima os olhos e me faz tremer
as mãos... Não, não digas. Não é verdade. Tédio. Só tédio.
Berros desamparados no fundo.
Os teus cabelos são loiros. Não, é o sol. É o tabuleiro
no chão e o fumo azul que corta os vidros da cama do Pedro.
Cala-te, não suporto essa voz que adivinho. Jornal dobrado.
Mais um dia, menos um dia. Limite viscoso no braço da cadeira
pendurada numa tecla do piano. Robots sensuais me afagam
os seios e guincham. Ouvi uma explosão, caixotes que
rebolavam pela escada. Eras tu, Pedro, de olhos vítreos
fixos no meu braço esquerdo. Onde a agulha se tinha enterrado.
Tens um belo corpo - fazes poemas. Não, não estou a chorar.
Mas tenho feridas nos ombros e os lábios inchados.
Tu não. Tu amas-me?
as mãos... Não, não digas. Não é verdade. Tédio. Só tédio.
Berros desamparados no fundo.
Os teus cabelos são loiros. Não, é o sol. É o tabuleiro
no chão e o fumo azul que corta os vidros da cama do Pedro.
Cala-te, não suporto essa voz que adivinho. Jornal dobrado.
Mais um dia, menos um dia. Limite viscoso no braço da cadeira
pendurada numa tecla do piano. Robots sensuais me afagam
os seios e guincham. Ouvi uma explosão, caixotes que
rebolavam pela escada. Eras tu, Pedro, de olhos vítreos
fixos no meu braço esquerdo. Onde a agulha se tinha enterrado.
Tens um belo corpo - fazes poemas. Não, não estou a chorar.
Mas tenho feridas nos ombros e os lábios inchados.
Tu não. Tu amas-me?
amanhã ou depois
Nasci nos carris de mármore deste telhado de bruma.
Uma aranha me abriu os braços quentes de erva queimada e me apontou o lugar.
Ali! Não voltes ao barco.
De hastes de musgo, o leão ainda está vivo.
Entrelaça todos os caminhos e morre com uma gota de luar nas mãos.
Não, esta abelha azul veio do meu ventre de água. Sai daqui com um sorriso pálido nos olhos. Mas vem amanhã
ou depois. Colher as constelações que ainda não te dei.
Amanhã ou depois. Um paraíso perdido no meio do nevoeiro
e das balas.
Uma aranha me abriu os braços quentes de erva queimada e me apontou o lugar.
Ali! Não voltes ao barco.
De hastes de musgo, o leão ainda está vivo.
Entrelaça todos os caminhos e morre com uma gota de luar nas mãos.
Não, esta abelha azul veio do meu ventre de água. Sai daqui com um sorriso pálido nos olhos. Mas vem amanhã
ou depois. Colher as constelações que ainda não te dei.
Amanhã ou depois. Um paraíso perdido no meio do nevoeiro
e das balas.
CHILE! SETEMBRO, 11
a besta é toda uma
e hoje ouvi-te gritar, irmão
e quis ser mãe e amante
numa esperança desesperada de luta
a besta é toda uma
e ouvi-a ganir hoje, irmão
esmagando os nossos filhos
com patas de aço e veludo
a besta é toda uma
mas hoje, como ontem, iremos para a frente
e as árvores hão-de florir todo o ano
no mundo que havemos de conseguir
e hoje ouvi-te gritar, irmão
e quis ser mãe e amante
numa esperança desesperada de luta
a besta é toda uma
e ouvi-a ganir hoje, irmão
esmagando os nossos filhos
com patas de aço e veludo
a besta é toda uma
mas hoje, como ontem, iremos para a frente
e as árvores hão-de florir todo o ano
no mundo que havemos de conseguir
eram belas as vozes
eram belas as vozes, no fundo do tumulto
água e pão escorriam pelas masmorras da inquietude
abafada pelo eco do medo
mansas folhas de azinheira nova
sem dúvida
e um corpo nu
enfim
firmemente nu
como lâmina de guilhotina gritante
água e pão escorriam pelas masmorras da inquietude
abafada pelo eco do medo
mansas folhas de azinheira nova
sem dúvida
e um corpo nu
enfim
firmemente nu
como lâmina de guilhotina gritante
fuga
deixem-me ficar aqui
dormir
e saber que o comboio me espera
no lago
no silêncio assombrado
dentro da boca
Partir
"poeticamente habitar"
comer a terra
e subir às árvores
no desespero da fuga
Estar só
com medo da solidão
E viver aí
saboreando o azedo visceral
da inquietude
dormir
e saber que o comboio me espera
no lago
no silêncio assombrado
dentro da boca
Partir
"poeticamente habitar"
comer a terra
e subir às árvores
no desespero da fuga
Estar só
com medo da solidão
E viver aí
saboreando o azedo visceral
da inquietude
vigília
suportar a vigília com duas rugas em vez de olhos
levitar pelas calçadas adormecidas
durante as noites que faltam
rangendo musicalmente com um cárcere na memória
e um mar salgado na garganta
quereria abraçar uma viola e torcê-la
para que pingasse um choro furioso
como vento
levitar pelas calçadas adormecidas
durante as noites que faltam
rangendo musicalmente com um cárcere na memória
e um mar salgado na garganta
quereria abraçar uma viola e torcê-la
para que pingasse um choro furioso
como vento
Natal
Pim.
Som de cacos verdes. Transparentes.
Sinos de estrelas no ar.
como gaivotas na doca
Gestação. Nascer. Estar.
Amo-te.
Gémeos nascemos. Mas separados.
Beijos de encontro. Enfim, sós!
Natal. Corações quentes.
Solitários.
Sabes, eu gosto de ti.
Vamos ver as luzes.
Vamos para a chuva.
Som de cacos verdes. Transparentes.
Sinos de estrelas no ar.
como gaivotas na doca
Gestação. Nascer. Estar.
Amo-te.
Gémeos nascemos. Mas separados.
Beijos de encontro. Enfim, sós!
Natal. Corações quentes.
Solitários.
Sabes, eu gosto de ti.
Vamos ver as luzes.
Vamos para a chuva.
noite esquecida
depois saí para a chuva
sozinha e improvisada
corri perdida de amor
no corpo
nos olhos
na noite esquecida do betão
e de mim
desvaneço agora o sorriso e as lágrimas
sou folha no vento, as mãos abandonadas
do lado de cá da vida
sozinha e improvisada
corri perdida de amor
no corpo
nos olhos
na noite esquecida do betão
e de mim
desvaneço agora o sorriso e as lágrimas
sou folha no vento, as mãos abandonadas
do lado de cá da vida
e eu não sabia
possível como vento foste tu
e eu não sabia
que são fogo teus inventos
tua ausência
teus momentos controlados
e eu não sabia
que são fogo teus inventos
tua ausência
teus momentos controlados
argila
teu corpo argila minha falta
que de nós apenas a ausência
do sopro o pálido gesto
no rio a lívida certeza
que de nós apenas a lembrança
que de nós apenas a ausência
do sopro o pálido gesto
no rio a lívida certeza
que de nós apenas a lembrança
lótus
creio-te cântico silencioso de raízes
olhar aberto à chuva
creio-te semente, presença sublime de ser
é por isso que eu te amo
coração lótus em flor
olhar aberto à chuva
creio-te semente, presença sublime de ser
é por isso que eu te amo
coração lótus em flor
a ouvir o rio
não quero descer
sinto-me bem assim
deitada na relva húmida
a ouvir o rio
queria dizer-te
que tenho a certeza
sinto-me bem assim
deitada na relva húmida
a ouvir o rio
queria dizer-te
que tenho a certeza
maré vazia
em ti semeei
silencioso afago
e te amei os lábios
nus
ingenuamente
desprendida me prendi
e me perdi silenciosa
no rebentar das ondas em levante
no teu vento de espuma turbilhão
no esquecimento de nós nos encontrei
à beira mar um dia
amantes tão ao longe
e cantei
maré vazia
silencioso afago
e te amei os lábios
nus
ingenuamente
desprendida me prendi
e me perdi silenciosa
no rebentar das ondas em levante
no teu vento de espuma turbilhão
no esquecimento de nós nos encontrei
à beira mar um dia
amantes tão ao longe
e cantei
maré vazia
adormecer
agora
só me resta ir ter contigo
para adormecer em ti
e assim esquecer
este meu sono das horas
só me resta ir ter contigo
para adormecer em ti
e assim esquecer
este meu sono das horas
o eco do tempo
sentei-me nas pedras
no meio das oliveiras
a ouvir o eco do tempo
ao longe na serra
uma voz clara e transparente cantava
uma música triste
e lembrei-me dos dias
em que a terra cheirava a hortelã
e o vento a maresia
no meio das oliveiras
a ouvir o eco do tempo
ao longe na serra
uma voz clara e transparente cantava
uma música triste
e lembrei-me dos dias
em que a terra cheirava a hortelã
e o vento a maresia
só uma vez
parte comigo
só uma vez
toca-me no ombro
para um passeio de barco sem vento nem sol
num dia cinzento de verão
chama-me no campo das oliveiras
e das pedras do rio manso
onde embarcámos um dia no silêncio da chuva
parte comigo
só uma vez
só uma vez
toca-me no ombro
para um passeio de barco sem vento nem sol
num dia cinzento de verão
chama-me no campo das oliveiras
e das pedras do rio manso
onde embarcámos um dia no silêncio da chuva
parte comigo
só uma vez
da noite
murmuras segredos da noite nos olhos
e, no toque,
te sorrio
à procura, sempre
do outro lado de mim
e, no toque,
te sorrio
à procura, sempre
do outro lado de mim
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